A reforma do sistema previdenciário social (INSS) é discutida desde 1994, portanto há pelo menos duas décadas. Entretanto,o arcabouço teórico,indispensável para a solução efetiva do problema, parece estar sendo ignorado durante todo esse período.Como consequência, não traz espanto que as reformas elaboradas até o momento tenham se mostrado totalmente ineficazes. O problema urge! E o Brasil só conseguirá crescer e diminuir de forma eficiente a desigualdade social caso o problema seja resolvido de uma vez por todas: não adianta mais colocar a poeira debaixo do tapete, uma vez mais.
As soluções normalmente discutidas e veiculadas na mídia são soluções simplistas que não se sustentarão a longo prazo. Por exemplo, a solução na linha do 85-95 ou 95-100 ou o chamado fator previdenciário carecem de embasamento atuarial, tornando-se meramente paliativos que diminuirão o déficit apenas no curso prazo. Com isso fazemos aqui uma proposta pragmática, composta por duas medidas, que servirão para equalizar o sistema e permitir a readequação atuarial do INSS, permitindo acima de tudo que as reformas necessárias devido ao expressivo aumento da expectativa de vida populacional sejam então discutidas e formuladas.
A primeira medida é repetir o que já é feito em algumas entidades fechadas de previdência (conhecidas no mercado como fundos de pensão), onde os benefícios de risco, ou seja, os não-programados e relacionados a morte ou invalidez, são administrados por seguradoras, com alíquotas de contribuição de risco revertidas para as mesmas. Esta mudança se justificaria pelo fato de entidades e seguradoras privadas apresentarem-se melhor preparadas para a gestão desses passivos, bem como terem capacidade maior de fiscalização, reduzindo assim a enorme exposição a fraudes existentes no INSS atualmente. O objetivo da medida, portanto, é retirar do âmbito do sistema atual a concessão e a operacionalização dos benefícios classificados como de risco, tais como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente. Esses benefícios respondem por 16,5% das despesas atuais com benefícios e apresentam grande índice de fraudes.
A segunda medida parte do fato de desde 1996 o plano de custeio do RGPS encontrar-se desequilibrado, se fazendo, portanto, necessária uma readequação para equalizá-lo antes de serem feitas as alterações no sistema devido à mudança na expectativa de vida.Essa medida consistiria em cobrir um déficit do ano anterior no ano seguinte, por meio de uma modificação no atual plano de custeio. Tal medida estaria em linha com a LC 109, art. 21, § 2o (refletida depois em resoluções da Previc e órgãos adjacentes), a qual resolve situações de déficit no âmbito dos fundos de pensão, ao atribuir contribuições adicionais para todos os participantes envolvidos, ativos e assistidos. A instituição da contribuição para os assistidos, incomum no INSS contudo não proibida, é prática normal nos fundos de pensão, sendo um dos elementos preponderantes para a mitigação do déficit atuarial e manutenção de equilíbrio do plano de custeio. Entretanto, tal custeio incremental deve ser feito de maneira justa e eficaz. Vamos a ele.
Lançando mão das definições envolvidas em um regime de Repartição Simples, tal déficit seria custeado (no ano seguinte)não apenas pelos participantes da ativa mas também pelos assistidos (inativos) e peloaumento equitativo das contribuições patronais. Em outras palavras, o valor faltante do ano anterior seria dividido por todos participantes do sistema, pois o plano de custeio tem que estar equalizado e deve ser dividido por todos. Utilizando o déficit ocorrido em 2015 como exemplo (tendo em vista que não temos todos os dados necessários em 2016 disponíveis), o valorde R$ 85,8 bilhões anuais representou 10,9% da soma do total da arrecadação com o total de benefícios pagos.Isso significa que é possível aplicar diretamente essa proporção nos percentuais de contribuição hoje existentes para os ativos e para o empregador, que seriam portantorevistos para 8,9%; 10%; 12,2% (conforme a faixa salarial dos participantes ativos)e 22,2%(patronal). Além disso, para a conta fechar e haver completa equidade, seria necessário a criação deuma alíquota para os assistidos (inativos) de 10,9%. Essas alíquotas durariam 1 ano fiscal, ao fim do qual o INSS verificaria a ocorrência ou não de um novo déficit, recalculando tais alíquotas para o ano seguinte.
Desta forma, todos os participantes do sistema do INSS arcariam com os seus custos, proporcionalmente e, principalmente, sem penalizar por demais toda uma geração. Assim como a tabela de IR para pessoas físicas e mesmo a tabela do INSS anualmente se alteram, os percentuaisdesta última também sofreriam alterações anuais. Caso o Governo, através do seu orçamento, queira custear a parte dos atuais assistidos, utilizando outras fontes além da contribuição previdenciária dos trabalhadores, como por exemplo as definidas no artigo 195 da Constituição – sobre a receita ou faturamento de empresas (COFINS), sobre o lucro líquido das empresas (CSLL), sobre a movimentação financeira (CPMF, quando ativa) e sobre a receita de concursos de prognósticos (Loterias) dentre outras -esta seria uma decisão independente e, mesmo nesse caso, o rombo estaria em níveis menores e muito mais controlado do que nostermos atuais.
Que fique claro que a proposta aqui sugerida seria o primeiro passo para a reforma completa da previdência.Medidas tradicionais que tratem da questão do envelhecimento da população por conta do desenvolvimento social e da inversão da pirâmide social constituiriam um segundo passo igualmente importante para estabilizar o sistema e não o tornar inexequível no longo prazo. Além de pragmática, uma reforma concebida nos moldes aqui propostos serviria para garantir a todos os brasileiros, ativos ou inativos, segurança no sistema previdenciário e consequentemente o benefício da aposentadoria de forma sustentável.