Finalmente o mais importante debate se estabelece. Com a conclusão da votação em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, a reforma tributária, a mais necessária das reformas brasileiras, ganha prioridade na agenda política.

O caráter de urgência conferido à reforma da Previdência se deu muito mais em função da deplorável situação fiscal do país, dos estados e dos municípios, do que das mudanças estruturais que tal reforma tem potencial de provocar. Prega-se que a tal hemorragia de recursos públicos haveria de ser estancada para que as contas fossem equilibradas, os investimentos externos retornassem e a fé nas contas públicas fosse restabelecida.

Contudo, sabemos que somente uma reestruturação do sistema tributário brasileiro ensejará as condições necessárias à retomada do crescimento do país: a melhoria do ambiente de negócios, os necessários investimentos em infraestrutura, serviços essenciais e amparo social e, por último, mas não menos importante, o fortalecimento do nosso combalido federalismo fiscal.

Para alimentar nosso otimismo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em entrevista à GloboNews, afirmou que, logo após o segundo turno da votação da Previdência, prevista para 6 de agosto, e do envio do texto ao Senado, a pauta será a Reforma Tributária, cuja Comissão Especial já foi instalada. Segundo Maia, com a aprovação destas duas reformas, será a vez da reforma administrativa. Depois de concluídas as três, o país conseguirá enfrentar o necessário combate à pobreza e à miséria.

Na nossa avaliação, a reforma tributária é a única capaz de fazer frente, a um só tempo, aos principais problemas estruturais que afetam nosso país: economia emperrada, federalismo fraturado e uma desigualdade social imoral.

Muitos dos problemas que nos trouxeram a esse estado de coisas se devem às disfuncionalidades do nosso modelo de tributação. Trata-se de uma questão não apenas política, mas também técnica: nosso sistema tributário precisa reunir características que o tornem moderno e de qualidade. Não dá para pensar que resolveremos os problemas que temos com a redução da carga tributária – ou seja, com menos Estado.

Certamente, teremos que assumir o desafio de dar qualidade ao gasto público. Isso é o que todos reconhecem. Mas mais difícil talvez seja reconhecer a enorme importância que tem a qualidade da tributação para a resolução de boa parte dos nossos graves problemas.

Nosso problema será repactuar quanto cada segmento contribuirá para o financiamento do Estado que se quer, e como se dará a repartição dos frutos da arrecadação entre os entes federativos. Considerando, novamente, que União, estados e municípios encontram-se nos seus limites, a manutenção dos valores atuais, na divisão dos tributos, é premissa obrigatória.

Temos, portanto, um cenário para o debate sobre a reforma tributária que não pode partir da redução da carga e tampouco da redistribuição de recursos. Simplificando: exige-se da reforma, eficiência e agilidade na arrecadação com a simplificação dos tributos; neutralidade para que as empresas tomem suas decisões estratégicas – não em função da tributação, mas sim em função dos mercados de fornecimento e consumo – e, finalmente, que seja estabelecido um sistema tributário progressivo que consiga arrecadar mais de quem realmente dispõe de maiores recursos, renda e patrimônio, de maneira a atingirmos a pretendida justiça fiscal.

O avanço da civilização se dá pela necessidade. Essa percepção e a urgência de mudanças profundas na tributação brasileira atingem patamares que nos fazem crer que as mudanças pretendidas há quase três décadas finalmente ocorrerão. Finanças públicas deterioradas, economia emperrada, péssimo ambiente de negócios, facilidades abertas para a sonegação e para a corrupção, guerra fiscal de todos contra todos entre os três níveis federativos, contenciosos em níveis alarmantes, tudo isso, somado a uma carga tributária insuportável para determinadas camadas sociais, constitui o que Clóvis Panzarini denomina o “manicômio tributário brasileiro”, que tece a ineficiência da nossa produção e faz a alegria dos produtores de outros países.

A premência por mudanças se reflete na quantidade de propostas de reforma tributária que tramitam chegar no Congresso Nacional. Sai na frente e em vantagem a PEC 45/2019 apresentada pelo deputado Baleia Rossi (PMDB/SP), idealizada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), cuja autoria é atribuída prevalentemente ao tributarista Bernard Appy. A vantagem se dá, tanto por ter sido adotada como a reforma da Câmara dos Deputados, como pelo fato inédito de ter recebido o apoio unânime – mas com alterações – dos 27 secretários de Fazenda das unidades da Federação, representados pelo Comsefaz.

O Senado Federal também tem uma reforma para chamar de sua. Resgatou o projeto relatado pelo ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) e promete tramitá-lo naquela Casa. O Executivo Federal, por meio do Ministro Paulo Guedes e do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, dispõe-se a apresentar uma terceira proposta, com foco num imposto unificado a ser cobrado em operações de pagamentos.
O Movimento Brasil 200 quer apresentar a sua proposta, embasada na, comprovadamente fracassada, teoria de um imposto único sobre operações financeiras. O presidente do PSL, Luciano Bivar, apresentou texto substitutivo à PEC 45, propondo unificar a maioria dos tributos federais num Imposto Único Federal (IUF).

Falaremos de forma mais detalhada sobre cada uma das propostas em artigos futuros. O que todas têm em comum: a aceitação do esgotamento do ICMS, a necessidade de unificar e simplificar a tributação sobre o consumo – sob o argumento de evitar a cumulatividade e a complexidade – e a importância de conferir justiça social ao tributo.

O melhor de tudo é ver um debate tão importante transbordar os círculos especializados para chegar às discussões nos plenários, às administrações tributárias, aos fóruns econômicos, à grande imprensa e às entidades de classe. Há que se discutir muito para chegarmos a uma proposta única, de consenso, amplamente negociada e de aceitação geral.

Sorte lançada, façamos não apostas, mas contribuições. Somente com debate amplo, politicamente profundo e tecnicamente fundamentado, conseguiremos chegar a um sistema tributário simples, neutro, transparente e equânime. Como decorrência, teremos uma tributação eficiente, progressiva e sustentável e, por fim, um país que avança.

Fonte: * Rodrigo Spada é formado em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e especialista em Economia, Finanças e Marketing pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, Spada é presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp) e vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite).

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Fonte: Dia a Dia Tributário/Câmara dos Deputados