Após aprovação em primeiro turno da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, as discussões acerca de uma Reforma Tributária ganham força a cada dia. Não à toa, o Governo estima votação do projeto ainda neste segundo semestre de 2019.

Apesar disso, por se tratar de um tema complexo e desafiador para o futuro do país, ainda não há um projeto sólido e viável para votação. De todas as propostas que estão sendo avaliadas (Câmara, Senado, Estados e, mesmo, do Ministério da Economia e do Instituto Brasil 200), o texto do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), PEC 45/19, desenvolvida pelo economista e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy, ao longo de 4 anos de construção técnica, que tem como referência o padrão internacional de tributação do consumo, é um dos projetos mais avaliados.

A PEC 45/19, patrocinada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, contempla uma mudança profunda na tributação de bens e serviços ao longo dos próximos 15 anos, que envolve a exclusão de três tributos federais – IPI, PIS e Cofins. Extinção, também, do ICMS, estadual e do ISS, municipal. A ideia é criar um imposto único que contemple todos os tributos, o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).

Apenas para contextualizar, Appy acredita que, para que a reforma consiga simplificar o caótico sistema tributário brasileiro, é essencial que ela seja simples, não distorça a forma com que os contribuintes paguem seus impostos, seja transparente e, por fim, possua equidade, de modo que quem possui melhores condições financeiras possa pagar mais tributos em comparação aos mais desfavorecidos.

No entanto, mesmo a PEC 45/19 sendo uma proposta que busca abordar todos os quesitos acima, alguns pontos ainda geram preocupação, devendo ser analisados para, quem sabe, serem estruturados, favorecendo os contribuintes, o Governo, as empresas e a simplificação do sistema tributário como um todo. Alguns deles são:

Renúncia fiscal dos Estados e Incentivos Fiscais:
Com base na Proposta de Reforma do Modelo Brasileiro de Tributação de Bens e Serviços, realizada pelo Centro de Cidadania Fiscal, o projeto tem como objetivo principal a substituição de cinco tributos atuais por um único imposto do tipo IVA. São eles: PIS/COFINS/IPI/ICMS/ISS por um único tributo, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Caso essa mudança realmente ocorra, uma grande preocupação para os estados é a renúncia fiscal.

Para se ter uma ideia, este ano as renúncias projetadas somam R$ 306,40 bilhões, representando 4,12% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2020, o valor é maior, segundo a Receita, o saldo gira entorno de R$ 331,18 bilhões, o que equivale a 4,35% do PIB.

Pensando nisso, o relator da reforma que tramita no Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), aceitou propor no texto um novo formato de simplificação, elaborado pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), acrescentando um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) “dual”. A ideia é a criação de um IVA para tributos federais e outro que abrange impostos estaduais e municipais. Nesse sentido, o IVA federal abrangeria tributos de responsabilidade da União, enquanto o “dual” seria abarcado por ICMS e ISS. Nesta divisão, Hauly propõe que a União fique com 35% da arrecadação e 65% fique com os estados e municípios.

Ademais, com a união dos tributos, proposta na PEC 45/19, um dos grandes benefícios é a diminuição da guerra fiscal do ICMS, uma vez que, conforme as alíquotas dos impostos sejam reduzidas, os incentivos fiscais gerados pelos Estados se tornariam irrelevantes. Mas, sobretudo, é a alteração da tributação pelo tributo indireto da origem para o local do consumo que reduzirá drasticamente os incentivos fiscais. Assim, ao mudar toda essa dinâmica de redução da carga tributária, a proposta pode encontrar resistências para sua aprovação.

Isso porque, de acordo com especialistas, determinados setores da economia precisam ser incentivados. Além disso, essa mudança pode ser um fator decisivo no que envolve o desenvolvimento regional de diferentes partes do País, uma vez que muitas empresas – que geram lucros significativos para determinado estado – ao não receber mais incentivos fiscais, podem optar por se instalar em outro local. Com isso, sem os incentivos fiscais, muitas regiões teriam seu crescimento significativamente reduzido.

Apesar disso, de acordo com Bernard Appy, responsável pela criação da PEC 45/19, esse modelo de incentivos fiscais atual se tornou disfuncional, uma vez que os Estados perdem receita sem necessariamente gerarem desenvolvimento. O economista acredita que, caso a transição ocorra de fato, é importante traçar novas medidas, beneficiando tanto empresas quanto Estados.

Imposto extra-fiscal – sem fins arrecadatórios
Atualmente, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II) e o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a títulos ou Valores Mobiliários (IOF) podem ter suas alíquotas alteradas por meio do ato do Poder Executivo (usualmente, um decreto). Isso porque estes tributos servem também para fins não arrecadatórios, ou seja, para fins de regulação do comportamento do mercado. Por exemplo, o aumento de compras em dólar por consumidores brasileiros, que culminou na redução de reservas na moeda pelo Banco Central, teria provocado o aumento da alíquota do IOF sobre câmbio, promovida pelo Decreto no. 8.325/14.

Ademais, o IPI é, atualmente, um imposto cuja alíquota é fixada de acordo com a essencialidade do produto, estabelecendo, portanto, alíquotas maiores para bebidas, cigarros, perfumes, etc.

Há propostas, no entanto, que parecem que estenderão estes “objetivos não arrecadatórios” para setores produtivos, como serviços financeiros e serviços imobiliários, para um Imposto Extra-Fiscal. No entanto, não é possível saber se haverá majoração ou não da carga tributária das empresas que atuam nestes setores.

Perda de arrecadação (IRPJ x IRPF):
Não há dúvidas de que o Imposto de Renda precisa passar por reformas profundas. Um grande problema, de acordo com Bernard Appy, é que uma parcela importante de pessoas ricas do País recebe lucros/dividendos de empresas sem a tributação do valor. Ou seja, empresas pagam aproximadamente 34% (alíquota nominal para Pessoa Jurídica) sobre o lucro da empresa (e sob certas configurações, sobre um percentual da receitas que não necessariamente reflete o lucro contábil apurado, como no lucro presumido ou regime do SIMPLES), mas repassa a renda para Pessoa Física acionista/quotista, sem tributação, no momento da distribuição.

Pensando nisso, a equipe econômica do governo defende, entre outras mudanças para empresas, o fim da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A medida, no entanto, preocupa alguns especialistas, que acreditam que é preciso analisar profundamente esse ponto, uma vez que a União não pode abrir mão de parte da arrecadação, seja por motivos financeiros ou por restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Além disso, a proposta não alcança o principal problema do país, a respeito da regressividade do sistema, tornando o Brasil um dos países mais desiguais do mundo.

Empresas de serviços:
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o setor de serviços prevê um impacto médio de 30% nos preços com a unificação dos impostos para o IBS. Bruno Pillar, representante da CNC, afirmou na Comissão da Reforma Tributária, realizada no último dia 17/09, que, com alíquotas em torno de 25%, o setor deve ter um aumento de 280% na carga tributária.

Esse aumento significativo certamente será passado ao consumidor final, que passará a ter maiores gastos com empresas do segmento. Além disso, outro ponto que deve ser levado em consideração é que, com a oneração da carga tributária para o setor de serviços, muitas empresas não sobreviverão.

No atual modelo de tributação, as empresas pagam, sobre suas vendas, 5% de ISS e 9,25% de PIS e Cofins. Com a proposta da PEC 45/19, com a substituição dos impostos pelo IBS, a alíquota será mais alta, estimada na casa de 20%.

ISS:
Outro ponto de atenção com a proposta da Reforma Tributária envolve a unificação de tributos ao IBS. Segundo estimativas da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a proposta que tramita no Senado, que propõe a unificação do ISS ao ICMS estadual, causaria prejuízo de R$ 910 bilhões em 15 anos às cidades do país (período de transição), com a retirada da autonomia das prefeituras sobre a administração de seus impostos.

Quanto ao projeto da Câmara, a proposta é preservar a autonomia dos municípios; no entanto, estima trocar o local de recolhimento do imposto. Deste modo, ao invés de ser cobrado na cidade onde o serviço é prestado, o novo IBS seria pago na região em que o produto ou serviço for consumido.

Essa medida preocupa principalmente grandes capitais, uma vez que cidades com mais de 2,5 milhões de habitantes registrariam perdas de R$ 13,2 bilhões por ano. Já municípios com população abaixo de 10 mil pessoas veriam a arrecadação crescer em R$ 2 bilhões, estima a FNP. Somente a cidade do Rio de Janeiro teria um corte de R$ 3 bilhões por ano. Em São Paulo, seriam R$ 9 bilhões.

Para tanto, Bernard Appy, autor do projeto que segue em análise na Câmara acredita que, para mitigar perdas dos municípios, é importante que todos os envolvidos pela aprovação do projeto cheguem a um acordo.

Além dos pontos citados acima, outra questão que envolve uma possível Reforma Tributária está relacionada ao seu período de transição. A PEC 45/19, por exemplo, prevê um período de cerca de 10 anos para que todas as mudanças ocorram de fato, sendo que os 2 primeiros anos servirão como teste. A proposta indica, ainda, 50 anos para a transição na distribuição da receita entre Estados e Municípios, sendo que os 20 anos iniciais serão para a manutenção da receita atual, corrigida pela inflação.

Diante de todos esses fatores, a proposta pode apresentar resistência à sua aprovação, de modo que o projeto precisará ser avaliado e repensado até que chegue a um consenso. Mas uma coisa é certa, o Brasil precisa urgentemente de mudanças em seu sistema de tributação.

Fonte: Jornal Contábil