Às vésperas do início da Copa do Mundo, vivenciamos uma situação inusitada no Brasil: o cidadão comum encontra mais dificuldade para nominar os 11 titulares da seleção brasileira do que para indicar os 11 ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal (STF).

Pudera. Finalizado um dos julgamentos mais emblemáticos de que se tem notícia – talvez o mais polêmico de todos -,
o STF manifestou o entendimento de que a decisão condenatória em segunda instância, ainda que não definitiva, autoriza a prisão do réu.

Em outras palavras, temos que a decisão colegiada (coletiva), proveniente de mais de uma cabeça, pode dar ensejo à execução provisória do julgado, não sendo suficiente, para o mesmo efeito, a existência de decisão monocrática (individual), justamente aquela que provém de um único julgador.

Mas, se isso vale no âmbito do direito penal, não é essa, todavia, a realidade dos processos tributários. Vejamos.

É cada vez mais comum que contribuintes sejam autuados por divergências de interpretação da legislação tributária e que os processos decorrentes dessas autuações sejam analisados por tribunais administrativos compostos por integrantes da própria administração pública e cujos votos valem mais do que os votos dos representantes dos contribuintes. Atualmente, obter êxito na esfera administrativa é cada vez mais raro.

A consequência é que os créditos tributários, uma vez definitivamente constituídos, são inscritos em dívida ativa, com o consequente ajuizamento de execuções fiscais contra os contribuintes. Na quase totalidade dos casos, o questionamento judicial da exigência fica condicionado à apresentação de garantia em valor até 20% (vinte por cento) superior ao do débito exigido.

Novos desafios surgem na sequência: embora a própria lei de execuções fiscais estabeleça que as garantias a serem apresentadas devem provocar a menor onerosidade possível ao executado, raramente são aceitos bens que não o seguro garantia, a carta de fiança bancária ou até mesmo o depósito judicial em dinheiro dos valores.

Nas raras situações em que outros bens são aceitos, enfrenta-se a dificuldade de avaliá-los por seu valor real, especialmente quando se trata de um conjunto complexo de bens (como plantas industriais, filiais etc) e/ou quando os ativos são compostos por intangíveis (como marcas, pontos comerciais etc).

Como se não bastasse, ainda que superadas todas essas dificuldades iniciais, temos um último grande desafio a ser enfrentado pelo contribuinte, justamente a enorme dificuldade de se evitar a execução provisória após decisão de um único juiz que condene o contribuinte ao pagamento do tributo – o que, em termos técnicos, significa julgar improcedentes eventuais embargos à execução opostos.

Realmente, o novo Código de Processo Civil prevê que o recurso de apelação a ser interposto nessas circunstâncias não terá efeito suspensivo, ou seja: a decisão (individual) recorrida será eficaz e a garantia oferecida poderá ser desde logo executada, antes mesmo do julgamento da apelação apresentada.

Até lá o contribuinte ou estará na iminência de perder imóveis e/ou bens oferecidos ao juízo (muitos deles operacionais), ou será acionado por bancos e seguradoras, que certamente irão exigir quase que imediatamente os valores desembolsados como consequência da execução de seguros e fianças prestados.

Voltemos ao recente entendimento manifestado pelo Supremo às decisões condenatórias em segundo grau: a prisão do réu somente ocorrerá se eventual decisão condenatória proferida por um único juiz vier a ser confirmada por decisão coletiva oriunda de Tribunal.
Nos processos tributários, o que se tem visto é algo totalmente diferente: basta que um único julgador entenda por “condenar” o contribuinte ao pagamento do tributo, ao rejeitar seus embargos, para que atos de expropriação sejam adotados.

Na perspectiva do contribuinte, a perda de liquidez ocasionada pela execução antecipada de garantia pode ser tão grave quanto à privação de liberdade do réu, no caso da execução de decisão condenatória ainda não definitiva.
Justamente no momento atual, em que os holofotes estão voltados às nossas Cortes e que o cidadão comum passa a se interessar por assuntos que antes estavam limitados aos corredores dos tribunais, às universidades e a poucos ambientes, é que a coerência das decisões se mostra ainda mais necessária. A aplicação de “dois pesos e duas medidas” é nociva e não contribui em nada com o pleno exercício da cidadania.

A Copa do Mundo nos mobiliza ao longo de um único mês a cada quatro anos. Os efeitos das decisões judiciais, por sua vez, sejam elas oriundas das mais altas Cortes, sejam elas proferidas em primeiro grau de jurisdição, afetam a vida do cidadão comum todos os anos, todos os dias. Mesmo os mais apaixonados pelo futebol são capazes de reconhecer que a crença na Justiça e a confiança nas instituições são bens mais valiosos do que qualquer campeonato que se possa ganhar. Essa deveria ser a nossa maior torcida.
Glaucia Lauletta Frascino é sócia do escritório Mattos Filho

Fonte: Valor Econômico