A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estuda criar um cadastro positivo fiscal, que serviria de base para a entidade conferir tratamento diferenciado aos contribuintes de acordo com cada histórico de pagamento e inadimplência com a Receita Federal. Até o final de junho, a procuradoria pretende publicar no Diário Oficial da União uma consulta pública sobre o tema, a fim de recolher sugestões e críticas de interessados.

Uma ideia em discussão é que os contribuintes considerados bons pagadores tenham opções de garantia menos custosas para questionar na Justiça débitos inscritos em Dívida Ativa.

Por outro lado, a PGFN poderia acompanhar os devedores contumazes mais de perto, oferecendo opções mais rigorosas de garantia. A procuradoria ainda analisa a criação de um canal de atendimento personalizado para empresas que costumam cumprir as obrigações tributárias. Caso a proposta se concretize, o cadastro deve afetar principalmente grandes contribuintes.

Conseguiremos dar previsibilidade para o contribuinte que tem uma relação institucional mais estável com a PGFN, diminuindo os custos para ele. E para a sociedade como um todo, reforçaremos a atuação em cima de quem não está cumprindo com sua função social de pagar tributos, e colocaremos o foco no combate à fraude e à blindagem patrimonial.

Segundo o procurador-geral adjunto de gestão da Dívida Ativa, Cristiano Neuenschwander, o órgão classificou as empresas em categorias de A a D segundo o risco de inadimplência. O contribuinte que oferece menor risco foi enquadrado na faixa A, e os devedores contumazes entraram na D. Além das posições extremas, contribuintes com graus intermediários de risco ficaram em B ou C.

A procuradoria planeja elaborar o cadastro positivo fiscal com base nessa classificação, concluída em 2017. “Não é uma boa forma de gestão dar o mesmo tratamento a contribuintes que estão em situações completamente diferentes, e representam riscos fiscais diferentes”, resumiu o procurador.

Projeto de lei
Por enquanto, a procuradoria analisa se é possível implementar o cadastro positivo fiscal administrativamente, por meio de uma portaria do órgão com base nas leis vigentes. Se necessário, a PGFN estuda propor um projeto de lei a fim de permitir a implementação do regime. “A ideia é trabalhar junto com os setores e as entidades representativas de contribuintes, para chegar a um texto que atenda às preocupações nossas e dos contribuintes”, explicou.

O cadastro positivo fiscal diria respeito a débitos inscritos na Dívida Ativa da União, que compreendem tributos federais como o Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o PIS e a Cofins. Na Dívida Ativa também são inscritos débitos de empresas optantes pelo Simples Nacional, o que pode envolver tributos estaduais e municipais.

Em abril, a Assembleia Legislativa do estado de São Paulo aprovou uma iniciativa semelhante à proposta da PGFN. Direcionada ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a lei complementar estadual nº 1.320/2018, conhecida como lei “Nos Conformes”, prevê adequar o atendimento aos contribuintes segundo um ranking de risco que vai de A+ até E, com seus próprios critérios de classificação.

Garantias e atendimento
A principal vantagem do cadastro positivo fiscal, segundo a PGFN, seria a possibilidade de contribuintes considerados bons pagadores oferecerem opções menos onerosas de garantia. Por exemplo, a procuradoria analisa se é possível permitir que em alguns casos os contribuintes de menor risco ofereçam um imóvel como garantia, o que seria menos oneroso que uma fiança bancária.

Nessa linha, a PGFN também estuda fazer um acerto prévio com os contribuintes que tenham bom histórico, a fim de discutir antecipadamente qual garantia será oferecida em processos judiciais. A hipótese é a seguinte: uma empresa com classificação melhor decide de antemão que recorrerá ao Judiciário se perder uma disputa no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Neste caso, durante o processo administrativo, a companhia poderia negociar com a procuradoria antecipadamente qual seria a garantia oferecida no processo judicial.

O ganho é de tempo. Empresas que têm uma solvência boa, um faturamento alto, às vezes ficam com um problema de Certidão de Regularidade Fiscal quando notoriamente têm uma capacidade pagadora.

Além de regulamentar o bloqueio de bens sem autorização judicial, a portaria PGFN nº 33/2018, que terá vigência em outubro, permitiu que os contribuintes forneçam garantia antecipada sem a necessidade de entrar com uma ação judicial. No âmbito do cadastro positivo fiscal, este acerto prévio serviria como um segundo passo em relação à portaria, de forma a permitir que a PGFN analise a oferta de garantia com base no histórico de pagamento do contribuinte.

Por fim, segundo a proposta, contribuintes maiores teriam um canal de atendimento diferenciado dentro da procuradoria. O órgão estuda permitir que um mesmo procurador acompanhe todas as demandas de determinado grupo econômico, de forma a agilizar a comunicação e personalizar o relacionamento.

O que é um bom pagador?
Em relação à proposta de um cadastro positivo fiscal, a principal preocupação de advogados tributaristas ouvidos pelo JOTA é com os critérios para os contribuintes serem enquadrados nas categorias de risco.

Sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, o advogado Tiago Conde lembrou que muitos contribuintes questionam dívidas tributárias na Justiça ou no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Na visão dele, o fato de levar a questão para apreciação dos tribunais não deveria aumentar o risco fiscal da empresa.

“O que é o conceito de bom pagador? Não necessariamente a empresa põe dinheiro no cofre [da Receita], mas discute a tributação em processos judiciais e administrativos, tudo com garantias. Outra coisa é estar inadimplente e deixar a dívida correr, aí sim seria um mau pagador”, exemplificou.

Fundador do escritório Mauler Advogados, o tributarista Igor Mauler Santiago criticou critérios de ranking que levam em consideração a situação fiscal de terceiros. Na lei “Nos Conformes”, por exemplo, a classificação dos contribuintes pode ser prejudicada segundo o perfil de risco dos fornecedores. Para Santiago, a iniciativa federal deveria concentrar a avaliação em aspectos que só dizem respeito ao contribuinte.

Apesar da preocupação com os critérios de classificação, a advogada Diana Piatti Lobo, sócia do escritório Machado Meyer, avalia que a iniciativa da PGFN pode aproximar o fisco dos contribuintes e trazer vantagens para ambos. Nesse sentido, para Lobo, é essencial que a elaboração do cadastro permita a participação de vários setores da sociedade.

Uma relação mais aproximada pode evitar que conflitos recaiam na esfera administrativa ou no Judiciário. Você não teria tanta situação de embate, em que o fisco acha que o contribuinte é devedor contumaz, e o contribuinte acha que o fisco só quer arrecadar a todo custo.

Fonte: APET