O Governo Federal deu o pontapé inicial para a reforma trabalhista ao anunciar hoje (22) algumas mudanças nas relações entre empresa e empregador, através de propostas que serão enviadas em regime de urgência ao Congresso Nacional na forma de projeto de lei. Entre as principais alterações estão a prevalência de acordo entre empresas e sindicatos dos trabalhadores sobre a lei trabalhista em alguns pontos como parcelamento de férias, banco de horas, jornada de trabalho e remuneração por produtividade; ampliação do contrato de trabalho temporário de 90 para 120 dias e do regime parcial de trabalho de 25 para até 30 horas, além do aumento da multa ao empregador que não registrar o trabalhador.

Na visão dos especialistas as mudanças possuem um caráter de minirreforma trabalhista, flexibiliza alguns pontos da legislação e muda alguns paradigmas do Direito do Trabalho brasileiro.

“A minirreforma peca pela falta de diálogo social, por vir por meio de medida provisória, mas é absolvida ao final com as boas novidades que traz. Algumas delas são apenas ajustes temporais do que já se fazia, como autorizar o trabalho temporário na licença previdenciária. Outras novidades, no entanto, são emblemáticas e mudam alguns paradigmas do Direito do Trabalho brasileiro, como a representação sindical no local de trabalho, a flexibilidade de férias e intervalo intrajornada por meio de norma coletiva e, por fim, os tão esperados honorários de sucumbência nas reclamações trabalhistas”, avalia o mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP e autor do livro “A boa-fé nas negociações coletivas trabalhistas”, Eduardo Pragmácio Filho.

Pragmácio ressalta que “no balanço geral, creio que a minirreforma é positiva, pois incentiva a negociação coletiva, flexibiliza algumas condições de trabalho, valoriza a advocacia trabalhista e pune severamente o empregador que precarizar as relações de trabalho”. O especialista ressalta que a proposta prevê que o empregador poderá levar uma multa de R$ 6 mil caso não registre o seu empregado na Carteira de Trabalho.

Para o advogado Gustavo Ramos, sócio do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, as medidas que Michel Temer pretende encaminhar, via projeto de lei, ao Congresso Nacional, intituladas de “minirreforma trabalhista” derivam da premissa – absolutamente equivocada – de que rebaixar as condições de trabalho e suprimir direitos mínimos previstos na legislação trabalhista seriam a solução para a geração de mais empregos e para o crescimento da economia brasileira.

“O principal aspecto de mudança pretendida será a autorização – inconstitucional – de prevalência do que for negociado entre empresas e empregados (por intermédio de sindicatos) em relação ao que está escrito na legislação trabalhista, especialmente na CLT. A esse respeito, cumpre esclarecer, inicialmente, que a Constituição de 1988 previu expressamente a força normativa dos acordos e convenções coletivas de trabalho – fruto de negociação coletiva – contanto que esses instrumentos visem à melhoria da condição social dos trabalhadores (art. 7º, caput e inciso XXVI, da Constituição). Noutras palavras, desde 1988, pelo menos, já é possível que normas coletivas de trabalho livremente pactuadas possam ampliar direitos. Daí porque o aspecto – não dito – da proposta de Temer é que as negociações coletivas, a partir de agora, possam suprimir direitos previstos na CLT e na legislação trabalhista”, esclarece Ramos.

Pela proposta poderá ser acordado alguns pontos , tais como: o intervalo mínimo de 1h para refeição e limites à jornada de trabalho, “em desrespeito às normas de saúde e segurança no trabalho, o que invariavelmente ampliará o número de acidentes e de adoecimentos no trabalho no Brasil”, destaca Gustavo Ramos. Além do parcelamento no pagamento de PLR; a renúncia do trabalhador ao recebimento das horas in itinere (tempo gasto no deslocamento para o local de trabalho em locais de difícil acesso ou naqueles em que não haja transporte público regular), entre outras possibilidades.

Equívocos

O professor da PUC-SP e doutor em Direito do Trabalho, Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, acredita que as alterações têm vários equívocos. “As medidas contrariam inúmeras convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e nossa própria legislação, pois cria possibilidade parcelamento de férias, jornada excessiva, entre outras medidas que prejudicam o empregado. Por exemplo, no caso das horas extras, estudos comprovam que inúmeros acidentes de trabalho acontecem na extensão da jornada de trabalho. E parcelar férias vai contra o direito de descanso do empregado”, afirma.

Freitas destaca que as novas regras deixam claro que o Governo Federal fez uma opção pela economia e não pelo lado humano do trabalhador. “Agora, pelo texto do projeto, o acordo prevalece sobre a legislação, o que é muito perigoso, pois não temos uma boa representividade sindical no país. Nós temos feudos que controlam a arrecadação do imposto sindical.”, pontua.

Para o especialista em Direito e Processo do Trabalho, Danilo Pieri Pereira, do Baraldi Mélega Advogados, o Governo Federal anunciou pontos importantes para o início de uma reforma trabalhista a partir de 2017.

“A negociação coletiva passa a ser privilegiada, prevalecendo a vontade dos trabalhadores através de seus sindicatos em assuntos como redução de intervalo intrajornada e horas de percurso, entre outros. Além disso, o projeto cria a figura do delegado sindical para empresas com mais de 50 funcionários e amplia o prazo dos contratos de trabalho temporário para até 120 dias. O texto institui ainda o Programa de Seguro-Emprego, possibilitando a redução de jornadas de trabalho e de salário, com complementação salarial pelo governo”, analisa.

Na visão de João Badari, sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados, as medidas visam proteger os empregos, e não os empregados. “As medidas tornam mais fácil aceitar o negociado sobre o legislado, pois valoriza o papel das centrais e sindicatos. São soluções que ajudam a adequar à lei à realidade e a criação de empregos, passando se a sobrepor o acordado entre patrão e empregado ao texto da lei, ou seja, os acordos terão mais força que a CLT. Isso pode ser perigoso”, aponta.

De acordo com o advogado James Augusto Siqueira, sócio do Augusto Siqueira Advogados, a proposta que inclui na Consolidação das Leis Trabalhistas o art. 611-A, estabelece também no citado texto legal, que o disposto no instrumento normativo somente poderá ser examinado pela Justiça de Trabalho se houver vício de forma, vício de vontade ou de consentimento ou versar sobre direito indisponível. “Ficou assegurado, portanto, que os direitos do trabalhador previstos no art. 7º da Constituição Federal não são transigíveis.A MP segue uma tendência do Direito comparado europeu e da atual jurisprudência do STF, que decidiu no ano de 2015, no julgamento do paradigmático do caso “Besc”, que vale o negociado sobre o legislado no âmbito trabalhista”.

Garantia de emprego

Para o advogado Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados, a criação do Programa de Seguro-Emprego (PSE) tem seu lado positivo, “uma vez que garantirá ao trabalhador o seu emprego, já que as empresas que aderirem ao programa não poderão dispensar seus empregados arbitrariamente ou sem justa causa, bem como terá o empregado garantia de estabilidade após passado o prazo do PSE”.

Por outro lado, também traz pontos negativos ao trabalhador, “pois permitirá que o empregado ganhe menos por trabalhar menos tempo, bem como poderá ter seus benefícios, sendo, férias, 13º e PLR pagos de forma parcelada”.

Stuchi ressalta que a MP está considerando o período de crise em que passa o Brasil e que a proposta carece de melhores especificações de critérios de adoção para do PSE, “para que empresas não façam a adesão ao programa somente para ganhar benefícios, sem realmente comprovar estar em crise e sem a real necessidade de fazer parte do programa”.