A indústria brasileira da beleza comprovou, na prática, durante os últimos anos, a tese de que em períodos de turbulência econômica cresce a demanda por produtos que elevam a autoestima, como cremes, perfumes e maquiagens. Esse fenômeno, conhecido como “efeito batom”, tem atraído investimentos milionários das maiores empresas globais do setor, como a francesa L’Oréal, e ajudado a rejuvenescer o terceiro maior mercado mundial de cosméticos, atrás apenas de Estados Unidos e Japão.

“O Brasil não é apenas um grande mercado consumidor, mas um imenso laboratório para o desenvolvimento de produtos graças à incrível miscigenação de seu povo”, disse a presidente da L’Oréal Brasil, a belga An Verhulst-Santos, ao justificar o investimento de R$ 160 milhões na construção de um megacentro de pesquisas na Ilha do Fundão, na capital fluminense, no ano passado. O laboratório, com mais de 100 cientistas e pesquisadores, conta até com fábrica de pele humana, cultivada com células verdadeiras.

Assim como a L’Oréal, a também francesa Pierre Fabre Dermocosméticos (PFDC), dona das marcas Eau Thermale Avène, Darrow e Ducray, abriu, no fim de setembro, o Brazilian Innovation Center (BIC), um centro de pesquisa e desenvolvimento na Barra da Tijuca (RJ). Os dois principais executivos da empresa, Eric Ducournau e Nuria Perez-Cullel, afirmaram que a unidade se conectará a outros cinco laboratórios da PFDC instalados na França e no Japão.

O pano de fundo é criar itens específicos para a pele brasileira, além de pesquisar as tendências de um dos mercados considerados mais inventivos e sofisticados no mundo, segundo a companhia. O projeto do BIC, construído em área de 320 metros quadrados, terá mais de 300 funcionários — sendo 20 deles pesquisadores dedicados ao desenvolvimento de fórmulas — seguirá os padrões de qualidade do Asian Innovation Center (AIC), aberto pela Pierre Fabre em 2015, no Japão.

A unidade brasileira integra orçamento anual de 175 milhões de euros em pesquisas e desenvolvimento. “Seremos capazes de oferecer boas fórmulas e bons produtos, num primeiro momento, no Brasil. Depois, é para ultrapassar fronteiras”, disse a diretora-geral Nuria Perez-Cullel. No ano passado, a Pierre Fabre do Brasil, que mantém operações desde 1985, obteve faturamento R$ 300 milhões, aumento de 10% na comparação com 2016. Em todo o mundo, a empresa faturou 2,3 milhões de euros, com negócios em mais de 130 países.

Os grandes investimentos de L’Oréal e Pierre Fabre se justificam pela força do mercado brasileiro, que tem mostrado resiliência mesmo nos períodos mais agudos da crise. A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) projeta expansão de 8% no faturamento de 2018 no gênero beleza, sobre os US$ 72 bilhões contabilizados no ano passado. O crescimento nas vendas on-line também é atribuído ao envolvimento masculino em tratamentos estéticos e na compra de produtos de beleza.

O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial do universo de homens que buscam itens para fins estéticos, segundo indicador da empresa de pesquisa Euromonitor Internacional, atrás somente dos Estados Unidos. O público masculino já responde por 30% das vendas totais. Além disso, o comércio eletrônico tem ajudado a aquecer as vendas do setor. Pesquisa da plataforma digital Sophia Mind revela que 88% das mulheres brasileiras usaram a internet para obter informações de produtos, processos de compras e tutoriais de beleza em 2017, frente a 58% em 2013.

Levantamento de dados feito pela Nuvem Shop, um dos maiores market place do país, endossa esse movimento. De acordo com o estudo, o setor evoluiu 107% no primeiro trimestre do ano comparativamente ao mesmo período medido no exercício anterior. O segmento ficou na vice-liderança da pesquisa direcionada às lojas virtuais avaliadas nos três primeiros meses de 2018. Só permaneceu atrás de moda e acessórios, que aumentaram 148%. “Os consumidores on-line se encarregam de intensificar a demanda estimulada pelos conteúdos informativos na internet”, disse a diretora digital da Al Tayer Group, Mari Corella.

Impostos

O cenário para o setor no país só não é melhor porque a indústria convive com pesada tributação no Brasil. O presidente da Abihpec, João Carlos Basílio, afirma que as empresas têm sido prejudicadas por tributação injusta e incoerente com os grandes investimentos que têm realizado no país.
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“O cenário indica que os níveis de confiança melhoraram, mas ainda estão num patamar baixo, porque os impostos impedem um desempenho melhor”, disse Basílio. Essa alta tributação, que pode superar 70%,— quase igual aos 80% do setor de cigarros —, fez com que a marca britânica de cosméticos Lush anunciasse o encerramento de suas atividades no Brasil em junho. A empresa, que conta com 129 funcionários, cinco lojas, um spa e um site de vendas, afirmou que “o Brasil é um mercado muito difícil para a operação de uma marca britânica.”

Fonte: Correio Braziliense