As soluções de consulta editadas pela Receita Federal poderão ser um dos próximos alvos do programa de desburocratização do governo. As normas não estão contempladas pelo Decreto nº 10.139, que trata da revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto. Mas “estão no radar” do Ministério da Economia, segundo informou ao Valor o diretor federal de Desburocratização, Geanluca Lorenzon.

As soluções de consulta são importantes para os contribuintes por vincularem a administração tributária e servirem de base para decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – que analisa as autuações fiscais. Foi por meio em uma dessas normas (Solução de Consulta nº 13) que a Receita Federal informou aos contribuintes que deveriam excluir do PIS/Cofins o ICMS efetivamente pago e não o da nota fiscal – geralmente maior.

A expectativa do Ministério da Economia é de finalizar a triagem de todas as normas inferiores a decretos até abril do próximo ano. De acordo com Geanluca Lorenzon, a revisão do estoque regulatório é uma prática recomendada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que nunca foi feita justamente por desconhecimento de quantas normas existem no país.

As empresas podem contribuir com o “revogaço” de normas proposto pelo decreto, por meio da plataforma Simplifique!. “Os cidadãos podem apresentar sugestões e o órgão é obrigado a responder”, diz o diretor de Desburocratização. O decreto estabelece três etapas: triagem, exame e consolidação ou revogação.

A área tributária é um dos principais entraves para o ambiente de negócios. De acordo com relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), foram editadas mais de 377 mil normas tributárias desde a Constituição de 1988. Há hoje 57 tributos no país – excluídas as taxas. O relatório, com base em fiscalizações realizadas pelo órgão em 2017 e 2018, foi feito para identificar os problemas causados pelo excesso de burocracia que afetam a competitividade.

No período, havia um estoque de aproximadamente 254 mil processos administrativos fiscais na Receita Federal, envolvendo R$ 124 bilhões. No Carf, segunda instância tributária, eram 119 mil processos, discutindo autuações que somavam R$ 584 bilhões.

O decreto está em linha com a orientação do TCU, segundo o advogado Breno Vasconcelos, do escritório Mannrich Vasconcelos. Com um número menor de normas, acrescenta, diminui-se a complexidade do sistema. “O Estado atribui ao contribuinte interpretar as normas. Por isso, tem que oferecer um sistema racional e organizado”, diz ele, acrescentando que o texto do decreto ainda prevê a melhoria da técnica legislativa.

Hoje, afirma Vasconcelos, há confusões por causa de termos adotados em normas. Ele cita o caso da Lei nº 10.101, que trata de participação nos lucros e resultados (PLR). O artigo 1º diz que a norma alcança “trabalhadores”. E o artigo 2º afirma que os programas serão negociados entre “empresas e empregados”. Por isso, acrescenta o advogado, o Carf entende que o PLR só pode ser concedido a empregados, excluindo trabalhadores com outros vínculos, como diretores estatutários.

O novo decreto trouxe mudanças importantes nas regras de publicação de normas inferiores, de acordo com advogados. Orientações normativas, ofícios, diretrizes, recomendações e despachos de aprovação devem desaparecer. Só poderão ser adotados em casos excepcionais. Haverá apenas três modalidades: portarias, resoluções e instruções normativas.

A norma, explica o advogado João Marcos Colussi, do escritório Mattos Filho, tenta consolidar a legislação, para ter um sistema organizado, numerado e com a indicação do que não está mais valendo – o que deixou de ocorrer no fim dos anos 90, com o fim da chamada “revogação tácita”. “Vai trazer segurança jurídica”, afirma. “Hoje há muitas portarias conjuntas, o que, às vezes, faz com que a ordem numérica não siga a cronologia. Existe um mundo à parte”, acrescenta.

Fonte: Valor Econômico