Nota Técnica UDCR/UNERC n° 028, DE 31 DE MARÇO DE 2025
Assunto:
ICMS – DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS – SIMPLES NACIONAL –ADI 5469-DF – AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEI COMPLEMENTAR N° 190/2022 – CONSUMIDOR FINAL NÃO CONTRIBUINTE.
O STF, na ADI 5469-DF, declarou inconstitucional a Cláusula Nona do Convênio ICMS n° 93/2015 por invadir competência da Lei Complementar n° 123/2006.
A Lei Complementar n° 190/2022 não prevê exigência de DIFAL nas operações interestaduais remetidas por optantes do Simples Nacional destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS, mantendo o regime diferenciado e favorecido e excluindo a incidência do DIFAL nessas operações.
Trata-se de prestação de informações solicitada pela CJUD – Coordenadoria de Assessoramento Jurídico e Controle de Processos Judiciais, nos termos do inciso VII do artigo 56 do Regimento Interno desta SEFAZ, aprovado pelo Decreto n° 729/2024, para subsidiá-la na defesa do Estado de Mato Grosso em ação judicial envolvendo a exigência de ICMS-DIFAL em operações interestaduais remetidas por contribuinte optante pelo Simples Nacional.
A Impetrante, empresa optante pelo Simples Nacional que se dedica ao comércio de filtros e produtos correlatos, informa que venceu licitação realizada pelo Estado de Mato Grosso e firmou contrato para o fornecimento dessas mercadorias. Contudo, durante o transporte dos filtros de São Paulo para Mato Grosso, o veículo transportador foi retido em um posto fiscal, resultando na apreensão das mercadorias e do caminhão, sob a justificativa de não recolhimento do ICMS-DIFAL.
A Impetrante alega que, por ser optante pelo Simples Nacional, o ICMS-DIFAL não pode ser exigido sem previsão específica na legislação de Mato Grosso, conforme decidido pelo STF no Tema 1284.
Argumenta também que a operação é isenta por envolver fornecimento de filtros para programas sociais, amparada no artigo 65 do Anexo IV do RICMS-MT e Convênio ICMS 73/2004.
Do relato incumbe que se proceda aos esclarecimentos necessários quanto à matéria em questão, por meio da presente Nota Técnica.
A definição de contribuinte do ICMS está estabelecida no artigo 4° da Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996, conhecida como Lei Kandir:
Art. 4° Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
(…)
No âmbito estadual, a Lei n° 7.098, de 30 de dezembro de 1998, que consolida as normas referentes ao ICMS no Estado de Mato Grosso, apresenta definição semelhante em seu artigo 16.
Essas definições evidenciam que a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (SETASC/MT), por ser um órgão público estadual que não realiza operações de circulação de mercadorias nem presta serviços de transporte ou comunicação com habitualidade ou intuito comercial, não se enquadra como contribuinte do ICMS.
A Emenda Constitucional n° 87/2015 alterou a sistemática de cobrança do ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais, conforme disposto no artigo 155, § 2°, VII e VIII da Constituição Federal:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
§ 2° O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual; (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 87, de 2015) (Produção de efeito)
VIII – a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 87, de 2015) (Produção de efeito)
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional n° 87, de 2015)
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional n° 87, de 2015)
(…).
Além disso, o artigo 4°, § 2° da Lei Complementar n° 87/1996 estabelece a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS-DIFAL nas operações destinadas a adquirentes não contribuintes do imposto:
Art. 4° Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
(…)
§ 2° É ainda contribuinte do imposto nas operações ou prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou estabelecido em outro Estado, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual.
I – o destinatário da mercadoria, bem ou serviço, na hipótese de contribuinte do imposto;
II – o remetente da mercadoria ou bem ou o prestador de serviço, na hipótese de o destinatário não ser contribuinte do imposto.
Contudo, considerando que o remetente, no presente caso, é optante pelo regime do Simples Nacional, impõe-se a necessidade de uma análise diferenciada quanto à incidência do ICMS-DIFAL, à luz do regime jurídico aplicável.
Sobre esse tema, convém esclarecer que o referido tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte não alcança as operações com mercadorias sujeitas à substituição tributária, a recolhimentos antecipados de imposto, bem como ao ICMS Diferencial de Alíquotas, conforme preceitua o artigo 13, § 1°, inciso XIII, alíneas “a”, “g” e “h”, da Lei Complementar n° 123/2006, que institui a referida sistemática de tributação, vide transcrição:
Art. 13 O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
(…)
VII – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS;
(…)
§ 1° O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:
(…)
XIII – ICMS devido:
a) nas operações sujeitas ao regime de substituição tributária, tributação concentrada em uma única etapa (monofásica) e sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto com encerramento de tributação (…); e nas prestações de serviços sujeitas aos regimes de substituição tributária e de antecipação de recolhimento do imposto com encerramento de tributação;
(…)
g) nas operações com bens ou mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal:
1. com encerramento da tributação, observado o disposto no inciso IV do § 4° do art. 18 desta Lei Complementar;
2. sem encerramento da tributação, hipótese em que será cobrada a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, sendo vedada a agregação de qualquer valor;
h) nas aquisições em outros Estados e no Distrito Federal de bens ou mercadorias, não sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
(…).
Regra geral, estão excluídas do regime de tributação aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte (Simples Nacional) as operações sujeitas à substituição tributária, as aquisições interestaduais de bens e mercadorias sujeitas à tributação antecipada do imposto, como também as operações sobre as quais incide o ICMS Diferencial de Alíquotas.
Nesses casos, tais operações estarão submetidas à legislação estadual aplicável aos demais contribuintes mato-grossenses que não são optantes do regime diferenciado e favorecido instituído pela Lei Complementar n° 123/2006.
Ainda no que se refere aos contribuintes optantes pelo Simples Nacional, que realizam operações destinadas a consumidores finais não contribuintes do ICMS, é pertinente destacar o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 5469-DF, ocorrido em 24 de fevereiro de 2021, com trânsito em julgado em 23 de março de 2022. Veja transcrição de trechos:
(…)
A Constituição também dispõe caber a lei complementar – e não a convênio interestadual – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e as empresas de pequeno porte, o que inclui regimes especiais ou simplificados de certos tributos, como o ICMS (art. 146, III, d, da CF/88, incluído pela EC n° 42/03).
7. A LC n° 123/06, que instituiu o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e pelas Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional –, trata de maneira distinta as empresas optantes desse regime em relação ao tratamento constitucional geral atinente ao denominado diferencial de alíquotas de ICMS referente às operações de saída interestadual de bens ou de serviços a consumidor final não contribuinte. Esse imposto, nessa situação, integra o próprio regime especial e unificado de arrecadação instituído pelo citado diploma.
8. A cláusula nona do Convênio ICMS n° 93/15, ao determinar a extensão da sistemática da Emenda Constitucional n° 87/15 aos optantes do Simples Nacional, adentra no campo material de incidência da LC n° 123/06, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento tributário diferenciado e favorecido a ser dispensado a microempresas e empresas de pequeno porte.
(…)
Dessa forma, o STF declarou inconstitucional a aplicação do DIFAL para optantes do Simples Nacional por meio do Convênio ICMS n° 93/2015, em razão de sua inadequação com a legislação federal superior (Lei Complementar n° 123/2006).
Modulação dos efeitos da decisão:
· As cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS n° 93/2015 só produzirão efeitos a partir do exercício financeiro de 2022.
· A cláusula nona, que diz respeito especificamente aos optantes do Simples Nacional, teve seus efeitos retroagidos à data da concessão da medida cautelar, ou seja, 12 de fevereiro de 2016.
A fim de regulamentar a cobrança do ICMS-DIFAL nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes, foi publicada a Lei Complementar n° 190, de 4 de janeiro de 2022. Entretanto, é importante destacar que este diploma normativo não estabeleceu previsão específica para a exigência do diferencial de alíquotas em operações realizadas por contribuintes optantes pelo Simples Nacional.
Conforme o disposto na Lei Complementar n° 123/2006, que regulamenta o Simples Nacional, as operações realizadas por contribuintes desse regime continuam submetidas ao tratamento tributário diferenciado e favorecido, não se enquadrando nas exigências regulamentadas pela Lei Complementar n° 190/2022.
Conclusão
Diante de todo o exposto, conclui-se que não se aplica a regra de incidência do ICMS-DIFAL nas operações de saídas interestaduais realizadas por contribuintes optantes pelo Simples Nacional destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto.
A decisão do STF na ADI 5469-DF declarou inconstitucional a Cláusula Nona do Convênio ICMS n° 93/2015, por extrapolar os limites da Lei Complementar n° 123/2006.
A Lei Complementar n° 190, de 4 de janeiro de 2022, que regulamentou a cobrança de ICMS nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto, não contém previsão específica para a exigência do ICMS Diferencial de Alíquotas (DIFAL) nas saídas destinadas a consumidores finais realizadas por contribuintes optantes pelo Simples Nacional. Assim, tais operações continuam sujeitas ao regime diferenciado e favorecido estabelecido pela Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006.
Cabe ressalvar que, o ICMS devido a título de diferencial de alíquotas exigível pela entrada de mercadoria no estabelecimento de contribuinte mato-grossense optante pelo Simples Nacional, decorrente de operação interestadual, para seu uso, consumo ou ativo permanente, continua excluído do regime favorecido nos termos do artigo 13, § 1°, inciso XIII, alínea h, da Lei Complementar n° 123/2006, devendo o contribuinte observar a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas.
É o que cabia informar, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.
Unidade de Divulgação e Consultoria de Normas da Receita Pública da Unidade de Uniformização de Entendimentos e Resolução de Conflitos, em Cuiabá/MT, 31 de março de 2025.
Francislaine Cristini Vidal Marchesin Garcia Rúbio
FTE
De acordo.
Andrea Angela Vicari Weissheimer
Chefe de Unidade – UDCR/UNERC
Aprovada.
Erlaine Rodrigues Silva
Chefe da Unidade de Uniformização de Entendimentos e Resolução de Conflitos