NOTA TÉCNICA UDCR/UNERC 023, DE 20 DE MARÇO DE 2025
EMENTA:
ICMS – ENERGIA ELÉTRICA – SISTEMA DE COMPENSAÇÃO DE ENERGIA – CONVÊNIO ICMS 16/2015 – ISENÇÃO – TUSD – NÃO SE APLICA.
A isenção de ICMS autorizada pelo Convênio ICMS 16/2015, instituída pela Lei Complementar Estadual 631/2019, e regulamentada pelo art. 130-A, do Anexo IV, do RICMS, relativa ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica de que trata a Resolução Normativa 482/2012, da ANEEL, não alcança os valores cobrados pela concessionária de energia elétrica dos consumidores a título de Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).
A Lei Complementar n° 696/2021 alterou parte final do artigo 37 da LC n° 631/2019, suprimiu a expressão “obedecidas as condições do convênio Confaz n° 16/2015”. Entretanto, não afasta a necessidade de observância das deliberações do CONFAZ, especialmente Convênio ICMS 16/2015, tendo em vista que tal exigência decorre diretamente da Constituição Federal (artigo 150, § 6° e artigo 155, § 2°, inciso XII, alínea “g”).
A presente Nota Técnica objetiva subsidiar a Procuradoria-Geral do Estado na defesa judicial do Estado de Mato Grosso nos processos que debatem a cobrança do ICMS sobre a TUSD nos sistemas de compensação de micro e minigeração de energia elétrica.
Para melhor compressão do caso, faz-se breve resgate dos principais eventos pertinentes à matéria.
Em 17/04/2012, foi editada pela Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL a Resolução Normativa ANEEL n° 482/2012, que regulamenta as condições gerais para o acesso de microgeração e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica, o sistema de compensação de energia elétrica, e dá outras providências. Originalmente, poderiam participar do Sistema de Compensação de Energia Elétrica, de que trata a Resolução Normativa ANEEL 482/2012, consumidores que possuíam sistemas de geração solar, eólico, hidráulico ou cogeração térmica, com potência de até 1 MW.
Posteriormente, a ANEEL, por meio das Resoluções Normativas n° 687/2015, de 24/11/2014, e n° 786/2017, de 17/10/2017, promoveu alterações na Resolução Normativa n° 482/2012, ampliando o limite de potência dos sistemas para 5 MW e incluindo três novos modelos de geração distribuída, sendo eles: empreendimento com múltiplas unidades consumidoras, a geração compartilhada e o autoconsumo remoto, conforme disposto nos incisos VI, VII e VIII do artigo 2° da mencionada resolução normativa.
Em face da criação desse sistema de compensação, o CONFAZ aprovou, em 22/04/2015, o Convênio ICMS 16/2015, autorizando, na forma que especifica, a concessão de isenção nas operações internas relativas à circulação de energia elétrica, sujeitas a faturamento sob o sistema de compensação de energia elétrica de que trata a Resolução Normativa ANEEL n° 482/2012.
Eis transcrição da Cláusula Primeira do Convênio ICMS 16/2015, já atualizado pelas alterações inseridas em sua redação:
Cláusula primeira Ficam os Estados (…) Mato Grosso, (…) e o Distrito Federal autorizados a conceder isenção do ICMS incidente sobre a energia elétrica fornecida pela distribuidora à unidade consumidora, na quantidade correspondente à soma da energia elétrica injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora com os créditos de energia ativa originados na própria unidade consumidora no mesmo mês, em meses anteriores ou em outra unidade consumidora do mesmo titular, nos termos do Sistema de Compensação de Energia Elétrica, estabelecido pela Resolução Normativa nº 482, de 17 de abril de 2012. (Nova redação dada pelo Conv. ICMS 42/18)
1º O benefício previsto no caput:
I – aplica-se somente à compensação de energia elétrica produzida por microgeração e minigeração definidas na referida resolução, cuja potência instalada seja, respectivamente, menor ou igual a 75 kW e superior a 75 kW e menor ou igual a 1 MW; (Nova redação dada pelo Conv. ICMS 18/18)
II – não se aplica ao custo de disponibilidade, à energia reativa, à demanda de potência, aos encargos de conexão ou uso do sistema de distribuição, e a quaisquer outros valores cobrados pela distribuidora.
§ 2º Não se exigirá o estorno do crédito fiscal previsto no art. 21 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996.
Após a adesão do Estado de Mato Grosso ao Convênio 16/2015 por força do Convênio ICMS 130/2015, a matéria foi internalizada na legislação mato-grossense por meio do Decreto nº 382/2015 (e alterações), que acrescentou o artigo 130-A ao Anexo IV do Regulamento do ICMS, cuja redação atual é a seguinte:
CAPÍTULO XXV
DA ISENÇÃO EM OPERAÇÕES RELATIVAS AO SEGMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
(…)
Seção II
Da Isenção em Operações relativas ao Fornecimento de Energia Elétrica
Art. 130-A Fornecimento de energia elétrica pela distribuidora à unidade consumidora, na quantidade correspondente à soma da energia elétrica injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora com os créditos de energia ativa originados na própria unidade consumidora no mesmo mês, em meses anteriores ou em outra unidade consumidora do mesmo titular, nos termos do Sistema de Compensação de Energia Elétrica, estabelecido pela Resolução Normativa n° 482, de 17 de abril de 2012, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. (cf. Convênio ICMS 16/2015 – adesão de Mato Grosso cf. Convênio ICMS 130/2015 – efeitos a partir de 1° de janeiro de 2016)
§ 1° O benefício previsto no caput deste artigo:
I – aplica-se somente à compensação de energia elétrica produzida por microgeração e minigeração definidas na referida resolução, cuja potência instalada seja, respectivamente, menor ou igual a 75 kW e superior a 75 kW e menor ou igual a 1 MW; (efeitos a partir de 1° de junho de 2018)
II – não se aplica ao custo de disponibilidade, à energia reativa, à demanda de potência, aos encargos de conexão ou uso do sistema de distribuição, e a quaisquer outros valores cobrados pela distribuidora.
§ 2° Não se exigirá o estorno do crédito fiscal previsto no artigo 21 da Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996.
§ 3° O benefício previsto neste artigo fica condicionado:
I – à observância pelas distribuidoras, pelos microgeradores e minigeradores dos procedimentos previstos no Ajuste SINIEF 2/2015, de 22 de abril de 2015, publicado no Diário Oficial da União de 27 de abril de 2015;
II – a que as operações estejam contempladas com desoneração das contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
§ 4° Ressalvada disposição em contrário, determinada no Convênio ICMS 16/2015, o benefício fiscal previsto neste artigo vigorará até 31 de dezembro de 2027. (cf. Convênio ICMS 16/2015)
Nota:
1. Convênio ICMS 16/2015 – Convênio autorizativo.
2. Alterações do Convênio ICMS 16/2015: Convênios ICMS 59/2016, 75/2016, 18/2018, 42/2018.
3. Ver artigos 559 a 563 das disposições permanentes.
4. Isenção confirmada nos termos do artigo 37 da Lei Complementar n° 631/2019.
À época, ainda se discutia se os Convênios firmados no âmbito do CONFAZ, dispondo sobre benefícios fiscais relativos ao ICMS, teriam natureza autorizativa ou impositiva, e qual seria o procedimento correto para sua integração à legislação tributária de cada estado signatário. Posteriormente consagrou-se a tese de que referidos Convênios têm natureza meramente autorizativa, e que a vigência dos benefícios fiscais neles autorizados depende de lei em sentido formal do ente federado signatário.
Nesse contexto, como forma de legitimar a previsão do benefício fiscal que havia sido internalizado no estado de Mato Grosso por meio de ato executivo (Decreto nº 382/2015 e alterações), em 31 de julho de 2019, foi publicada a Lei Complementar (estadual) n° 631, que cuidou da remissão e anistia de créditos tributários, relativos ao ICMS, bem como sobre a reinstituição e revogação de benefícios fiscais, nos termos em que autorizaram a LC n° 160/2017 Dispõe sobre convênio que permite aos Estados e ao Distrito Federal deliberar sobre a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal e a reinstituição das respectivas isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais. e o Convênio ICMS 190/2017.
Com isso, foi definida, na Seção VIII do Capítulo IV da aludida LC n° 631/2019, a reinstituição do benefício fiscal em questão:
Seção VIII
Reinstituição e Alteração dos Benefícios Fiscais relativos ao Fornecimento e Consumo de Energia Elétrica
Art. 37 Ficam isentas do ICMS, até 31 de dezembro de 2027, as operações de circulação de energia elétrica, sujeitas a faturamento sob o Sistema de Compensação de Energia Elétrica de que trata a Resolução Normativa nº 482/2012-ANEEL, obedecidas as condições do Convênio Confaz nº 16/2015.
Entretanto, em 06 de julho de 2021, foi promulgada a Lei Complementar n° 696/2021 que alterou parte final do artigo 37 da LC n° 631/2019, retirando da redação original a seguinte parte: “obedecidas as condições do convênio Confaz n° 16/2015”. De forma que a partir da alteração, a redação passou a ser da seguinte forma:
Art. 37 Ficam isentas do ICMS, até 31 de dezembro de 2027, as operações de circulação de energia elétrica, sujeitas a faturamento sob o Sistema de Compensação de Energia Elétrica de que trata a Resolução Normativa nº 482/2012-ANEEL. (Nova redação dada pela LC 696/2021)
Em que pese a alteração, a referida norma aprovada não afasta a observância das deliberações do CONFAZ, e, em especial, do já comentado Convênio ICMS 16/2015, imposição que decorre da Constituição Federal (artigo 150, § 6° e artigo 155, § 2°, inciso XII, alínea “g”).
Ademais, a Lei Complementar n° 696/2021 não vedou, proibiu ou afastou a observância das deliberações do CONFAZ, no caso representado pelo Convênio ICMS 16/2015, mas apenas suprimiu do texto do artigo 37, que em sua parte final fazia referência a esta observância.
Sendo assim, entende-se que a alteração inserida no comentado artigo 37 da LC n° 631/2019, pela LC n° 696/2021, por si só, não é suficiente para modificar o alcance da isenção assinalada no artigo 130-A do Anexo IV do RICMS, para tanto, haveria necessidade de alteração do Convênio ICMS 16/2015.
E o mais importante: a previsão de que o benefício fiscal não alcança os valores cobrados pelo uso do sistema de distribuição (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição – TUSD) sempre esteve presente (desde as redações originais até os textos atualmente vigentes) tanto no Convênio 16/2015 (Cláusula Primeira, §1º, inciso II), como no RICMS (Anexo IV, art. 130-A, §1º, inciso II).
Nunca houve, portanto, previsão de isenção do ICMS incidente sobre o valor cobrado do consumidor, pela concessionária de energia elétrica, a título de uso do sistema de distribuição (TUSD).
Vale lembrar que, em 13 de março de 2024, a Primeira Seção do STJ, sob o rito dos recursos repetitivos, decidiu que as Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e de Transmissão (TUST) devem integrar a base de cálculo do ICMS nas faturas de energia elétrica (Tema 986 – Resp 1.163.020). A decisão alcança todos os fatos geradores ocorridos a partir de 17 de março de 2017.
Portanto, são válidos os lançamentos realizados pela Administração Tributária mato-grossense, em face da concessionária de energia elétrica, do ICMS incidente sobre o uso do sistema de distribuição de energia elétrica pelos usuários.
Na circulação de energia elétrica ocorrida em território mato-grossense, a regra-matriz de incidência do ICMS encontra-se construída pelos seguintes dispositivos do RICMS:
Art. 2º O imposto incide sobre:
I – operações relativas à circulação de mercadorias,
(…)
§ 1º O imposto incide também:
(…)
§ 4º Na hipótese do inciso I do caput, no que pertine à energia elétrica, o imposto incide inclusive sobre a produção, extração, geração, transmissão, transporte, distribuição, fornecimento ou qualquer outra forma de intervenção onerosa, ocorrida até a sua destinação ao consumo final. (Nova redação dada pela Lei 7.364/00)
(…)
Art. 3º Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
(…)
§ 8º No que pertine à energia elétrica, considera-se também ocorrido o fato gerador: (Acrescentado pela Lei 7.364/00)
I – na hipótese do inciso I do caput, no momento em que ocorrer a produção, extração, geração, transmissão, transporte, distribuição, fornecimento ou qualquer outra forma de intervenção onerosa, ocorrida até a sua destinação ao consumo final;
(…)
Art. 6º A base de cálculo do imposto é:
(…)
§ 8º Nas hipóteses dos incisos I e XII do caput do art. 3º, no que se refere à energia elétrica, e do § 8º do mesmo dispositivo, a base de cálculo do imposto é o valor cobrado do consumidor final, pelo produtor, extrator, gerador, transmissor, transportador, distribuidor, fornecedor e/ou demais intervenientes no fornecimento de energia elétrica, inclusive importâncias cobradas ou debitadas a título de produção, extração, geração, transmissão, transporte, distribuição, fornecimento, ou qualquer outra forma de intervenção ocorrida até a última operação. (Acrescentado pela Lei 7.364/00).
Nos termos dos dispositivos transcritos, haverá incidência do ICMS sobre todas as operações relativas à cadeia logística da energia elétrica, praticadas desde a geração até a entrega pela distribuidora ao consumidor final. A base de cálculo do imposto será o preço final da energia aposto na fatura mensal encaminhada ao consumidor.
Em outras palavras, o preço da energia elétrica que servirá como base de tributação do ICMS é formado pelos custos incorridos desde a geração até a sua disponibilização aos consumidores, conforme abaixo:
. custos com a aquisição de energia elétrica;
. custos relativos ao sistema de distribuição “A Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e/ou a Tarifa de Uso de Distribuição (TUSD), quando lançada na fatura de energia elétrica, como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final (seja ele livre ou cativo), integra, para os fins do art. 13, § 1º, II, ‘a’, da LC 87/1996, a base de cálculo do ICMS.” (STJ, REsp 1692023/MT, j. 13/03/2024, p. 29/05/2024. Tema Repetitivo 986)
. custos relativos ao uso do sistema de transmissão;
. encargos diversos e impostos.
Assim, tributam-se todas as operações com energia elétrica, cuja cadeia se dá pela: geração (produção) → transmissÒo → distribuiþÒo → comercializaþÒo. Tais etapas representam meios necessßrios para a prestaþÒo do serviþo p·blico e seus valores comp§em o preþo final do produto entregue pela distribuidora ao consumidor. Veja-se que, na prßtica, o critério para a definição da base de cálculo do ICMS sobre a circulação da energia elétrica não se distancia do critério pertinente à circulação das demais mercadorias: todos os custos incorridos para a produção e circulação da mercadoria são embutidos no preço final, sendo este o valor que sofrerá a incidência da alíquota para cálculo do montante do imposto.
É o que cabia informar, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.
Unidade de Divulgação e Consultoria de Normas da Receita Pública da Unidade de Uniformização de Entendimentos e Resolução de Conflitos, em Cuiabá/MT, 20 de março de 2025.
Elaine de Oliveira Fonseca
Fiscal de Tributos Estaduais
DE ACORDO.
Andrea Angela Vicari Weissheimer
Chefe de Unidade – UDCR/UNERC