O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA – CNPE, no uso de suas atribuições, tendo em vista o disposto no art. 2°, incisos I, IV e IX, da Lei n° 9.478, de 6 de agosto de 1997, na Lei n° 14.134, de 8 de abril de 2021, no art. 1°, inciso I, alíneas “a”, “b”, “c”, “f”, “i” e “l”, e inciso IV, e no art. 2°, § 3°, inciso III, do Decreto n° 3.520, de 21 de junho de 2000, no Decreto n° 10.712, de 2 de junho de 2021, no art. 5°, inciso III, e no art. 17, caput, do Regimento Interno do CNPE, aprovado pela Resolução CNPE n° 14, de 24 de junho de 2019, nas deliberações da 1ª Reunião Extraordinária, realizada em 7 de abril de 2022, e o que consta do Processo n° 48380.000123/2021-82,
RESOLVE:
Art. 1° Estabelecer as diretrizes estratégicas para o desenho do novo mercado de gás natural no Brasil obedecendo às seguintes premissas:
I – adoção de boas práticas internacionais;
II – atração de investimentos;
III – diversidade de agentes;
IV – maior dinamismo e acesso à informação;
V – participacão dos agentes do setor;
VI – promoção da competição na oferta de gás natural; e
VII – respeito aos contratos.
Art. 2° São diretrizes estratégicas para o desenho de novo mercado de gás natural no Brasil:
I – remoção de barreiras econômicas e regulatórias às atividades de exploração e produção de gás natural;
II – realização de leilões de blocos exploratórios de forma regular, incluindo áreas vocacionadas para a produção de gás natural, especialmente em terra;
III – implementação de medidas de estímulo à concorrência que limitem a concentração de mercado e promovam efetivamente a competição na oferta de gás natural;
IV – estímulo ao desenvolvimento dos mercados de curto prazo e secundário, de molécula e de capacidade;
V – promoção da independência comercial e operacional dos transportadores;
VI – reforço da separação entre as atividades potencialmente concorrenciais, produção e comercialização de gás natural, das atividades monopolísticas, transporte e distribuição;
VII – implantação de modelo de gestão independente e integrada do sistema de transporte de gás natural;
VIII – implantação do modelo de entrada e saída para reserva de capacidade de transporte;
IX – aumento da transparência em relação à formação de preços e a características, capacidades e uso de infraestruturas acessíveis a terceiros;
X – incentivo à redução dos custos de transação da cadeia de gás natural e ao aumento da liquidez no mercado, por meio da promoção do desenvolvimento de pontos virtuais de negociação de gás natural e outras medidas que contribuam para maior dinamização do setor;
XI – adoção de modelo de outorga para as atividades de transporte e estocagem subterrânea de gás natural aderente à dinâmica da indústria;
XII – aperfeiçoamento dos planos indicativos de infraestrutura, que poderão considerar instalações de armazenamento e estocagem, além de maior integração com o planejamento do setor elétrico;
XIII – estímulo ao desenvolvimento de instalações de estocagem de gás natural;
XIV – promoção do acesso não discriminatório e transparente de terceiros aos gasodutos de escoamento, Unidades de Processamento de Gás Natural – UPGNs – e Terminais de Regaseificação;
XV – aperfeiçoamento da estrutura tributária do setor de gás natural no Brasil;
XVI – promoção da harmonização entre as regulações estaduais e federal, por meio de dispositivos de abrangência nacional, objetivando a adoção das melhores práticas regulatórias;
XVII – promoção da integração entre os setores de gás natural e energia elétrica, buscando alocação equilibrada de riscos;
XVIII – aproveitamento do gás natural da União, em bases econômicas, levando-se em conta a prioridade de abastecimento do mercado nacional, respeitando a livre iniciativa; e
XIX – promoção de transição segura para o modelo do novo mercado de gás natural, de forma a manter o funcionamento adequado do setor.
Art. 3° São princípios da transição para um mercado concorrencial de gás natural:
I – a preservação da segurança no abastecimento nacional e da qualidade do produto;
II – a ampliação da concorrência em todo o mercado, evitando-se inclusive a formação de monopólios regionais;
III – o estabelecimento de prazos céleres e prudentes para adequação dos agentes da indústria do gás natural ao novo desenho de mercado;
IV – a mitigação de condições que favoreçam discrepâncias acentuadas de preços entre as Regiões do País durante período de transição, com gradativa implantação do sinal locacional;
V – a coordenação da operação do sistema de transporte pelos transportadores independentes por meio dos códigos comuns de rede;
VI – a formação de áreas de mercado que considere processo de fusão entre elas, com o objetivo de progressiva diminuição do número de áreas e aumento da liquidez do ponto virtual de negociação;
VII – o respeito aos contratos e governança das empresas;
VIII – o respeito à autonomia e o fortalecimento das agências reguladoras e da autoridade de defesa da concorrência; e
IX – a integração do setor de gás natural com os setores elétrico e industrial.
Art. 4° A transição para o mercado concorrencial de gás natural tem os seguintes objetivos:
I – criar condições para a ampliação do acesso e do aumento da eficiência na operação e na utilização das infraestruturas de transporte de gás natural;
II – promover a autonomia e a independência dos transportadores, eliminando potenciais conflitos de interesse e garantindo que os serviços de transporte sejam ofertados de forma ampla e não discriminatória;
III – organizar o sistema de transporte por meio dos códigos comuns de rede;
IV – elaborar códigos comuns de acesso a dutos de escoamento, unidades de processamento de gás natural e terminais de GNL;
V – implementar áreas de mercado e respectivos pontos virtuais de comercialização e publicar contratos de transporte padronizados;
VI – promover um mercado transparente, concorrencial e líquido de gás natural, tanto no atacado como no varejo, com diversidade de agentes do lado da oferta e da demanda;
VII – restringir situações de transações entre comercializadores e concessionárias de distribuição de gás canalizado que sejam partes relacionadas;
VIII – promover a transparência e o estabelecimento de regras claras para o acesso negociado e não discriminatório às infraestruturas de escoamento e processamento de gás natural e aos Terminais de Gás Natural Liquefeito – GNL;
IX – promover a transparência do teor dos contratos de compra e venda de gás natural para o atendimento ao mercado cativo; e
X – incentivar a adoção voluntária, pelos Estados e o Distrito Federal, de boas práticas regulatórias relacionadas à prestação dos serviços locais de gás canalizado, que contribuam para a efetiva liberalização do mercado, o aumento da transparência e da eficiência, e a precificação adequada no fornecimento de gás natural por segmento de usuários.
Art. 5° São diretrizes para a abertura do mercado de gás natural, durante o período de transição para um mercado concorrencial de gás natural:
I – a atuação coordenada entre os agentes da indústria de gás natural para o atingimento dos objetivos listados no art. 4°;
II – a concentração das operações de compra e venda de gás natural em um ponto virtual de negociação, utilizado como ponto de transferência de propriedade, de forma a criar condições para o aumento da concorrência e da liquidez do mercado de gás natural;
III – o uso do ponto virtual de negociação como referência para os produtos relacionados à flexibilidade e ao balanceamento de rede;
IV – a padronização dos contratos de compra e venda, segundo as orientações do guia de que trata o art. 7°;
V – a gradual redução da tarifa relacionada às interconexões entre áreas de mercado de capacidade, visando a progressiva diminuição do número de áreas;
VI – a efetiva interconexão das instalações que compõem o sistema de transporte, garantindo que os transportadores autônomos e independentes detenham a plena operação dos gasodutos de transporte interconectados;
VII – a adequação, dentro de prazos céleres e prudentes, dos procedimentos e padrões utilizados pelos agentes da indústria do gás natural ao novo desenho de mercado;
VIII – a implantação de programas para a liberação progressiva de gás natural por parte de agente da indústria que detiver participação relevante que possa resultar na dominação de mercado, bem como o incentivo aos demais produtores a comercializarem o gás natural no mercado; e
IX – a simplificação dos processos de oferta de capacidade de transporte de gás natural, que devem ser promovidos com periodicidade pré-definida e com cronogramas amplamente divulgados.
Parágrafo único. O inciso VIII será implementado sob a supervisão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, em conjunto com os órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Art. 6° Fica estabelecido o período de transição para o novo desenho de mercado de gás natural até o término do processo de fusão de áreas de mercado de capacidade do sistema de transporte.
§ 1° Durante o período de transição, para que os participantes do mercado de gás natural possam atuar de forma transparente e coordenada, o Ministério de Minas e Energia publicará no seu portal eletrônico o acompanhamento dos prazos indicativos para a conclusão, pelos agentes da indústria, do conjunto de providências necessárias para a adequação ao novo desenho de mercado, incluindo:
I – a adequação necessária à interconexão dos gasodutos de transporte para a formação do sistema de transporte;
II – a disponibilização de plataformas eletrônicas para oferecimento de capacidade de transporte, para o balanceamento das áreas de mercado de capacidade, e para a comercialização de gás natural, incluindo o mercado de curto prazo;
III – a disponibilização de sistemas de tecnologia de informação para a troca de informações entre os usuários e os operadores das redes;
IV – o processo de elaboração do código de conduta e prática de acesso à infraestrutura;
V – o processo de elaboração dos códigos de rede;
VI – o processo de constituição do conselho de usuários do sistema de transporte; e
VII – a disponibilização, pelo proprietário ou operador de instalações de escoamento, processamento e terminais de GNL, das informações de que trata o art. 10, inciso VII, desta Resolução.
§ 2° O processo de fusão de áreas de mercado de capacidade do sistema de transporte deverá ser conduzido de forma célere pela ANP, e as tarifas de transporte deverão ser estabelecidas de modo compatível com o objetivo de fusão das respectivas áreas.
Art. 7° O Ministério de Minas e Energia publicará no seu portal eletrônico guias orientativos destinados aos agentes da indústria do gás natural, a serem regularmente atualizados durante o período de transição.
Art. 8° Estabelecer como de interesse da Política Energética Nacional que os agentes observem as seguintes medidas durante o período de transição:
I – os vendedores e compradores de gás natural, ao utilizarem o sistema de transporte, adotem o ponto virtual de negociação da respectiva área de mercado de capacidade como o ponto de transferência de propriedade das suas transações;
II – os vendedores e compradores de gás natural participem ativamente da comercialização de curto prazo, de forma que todo o mercado possa se beneficiar de maior liquidez e da consequente transparência na formação dos preços de mercado;
III – os participantes do mercado atacadista de gás natural atendidos pelo sistema de transporte passem à condição de carregadores;
IV – a oferta de serviços de transporte padronizados, que leve em consideração as preferências dos novos usuários, inclusive no que tange à adequação dos contratos de transporte vigentes;
V – as negociações entre os operadores de instalações e infraestruturas essenciais e o terceiro interessado no acesso sejam concluídas em até cento e oitenta dias, ressalvada a superveniência da regulação do art. 16, § 1°, do Decreto n° 10.712, de 2 de junho de 2021, pela ANP; e
VI – o planejamento e a operação das infraestruturas de movimentação, processamento, e regaseificação de gás natural não sejam utilizadas de forma a criar barreiras ao acesso ao mercado de gás natural e prejudicar a concorrência.
§ 1° O prazo constante do inciso V do caput passa a contar da data de solicitação de acesso, ou da data de publicação desta Resolução para os casos iniciados antes de sua publicação.
§ 2° Na hipótese do inciso V do caput, findo o prazo estabelecido, a ANP poderá atuar para verificar a existência de eventuais condutas anticoncorrenciais ou de controvérsias entre as partes, sendo recomendada a deliberação sobre o caso em noventa dias, em cumprimento ao art. 19, inciso IV, do Anexo I, do Decreto n° 2.455, de 14 de janeiro de 1998.
Art. 9° Estabelecer como de interesse da Política Energética Nacional que o agente que ocupe posição dominante no setor de gás natural observe as seguintes medidas estruturais e comportamentais:
I – a alienação total das ações que detém, direta ou indiretamente, nas empresas de transporte e distribuição;
II – a definição das suas demandas nos pontos de entrada e de saída do sistema de transporte, possibilitando a oferta de serviços de transporte adicionais na capacidade remanescente;
III – a oferta de serviços de balanceamento de rede e produtos de flexibilidade no mercado de curto e longo prazo, devidamente remunerados, garantindo a segurança do abastecimento nacional durante período de transição ou enquanto não houver outros agentes capazes de ofertarem esses serviços;
IV – a cooperação no processo de transição para o regime de entrada e saída no sistema de transporte;
V – a disponibilização de informações ao mercado sobre as condições gerais de acesso a terceiros a suas instalações de escoamento, processamento e terminais de GNL;
VI – a utilização do seu portfólio de gás natural para a oferta de contratos de compra e venda de gás natural no caso de descontinuidade de suprimento de usuários finais em virtude do processo de adequação do mercado de gás natural durante o período de transição, de forma a garantir o abastecimento nacional;
VII – a oferta de contratos de compra e venda de gás natural com cláusula específica que possibilite a redução de quantidade contratada pelo adquirente, sem aplicação de qualquer penalidade, no limite mínimo de um terço do volume contratado; e
VIII – a promoção de programa de venda de gás natural por meio de leilões e a remoção de barreiras para que os próprios agentes produtores comercializem o gás que produzem.
Parágrafo único. Até a conclusão da alienação de que trata o inciso I, assegurar a independência na gestão e administração em empresas de transporte e distribuição nas quais detenha participação direta ou indireta.
Art. 10. São princípios gerais do acesso não discriminatório e negociado às instalações essenciais, até a efetiva regulação do tema pela ANP:
I – todos os envolvidos na negociação devem cooperar ativamente para que o acesso ocorra de forma efetiva;
II – as negociações entre o proprietário e o usuário em relação ao uso de uma instalação devem ser organizadas e conduzidas em um espírito de integridade e boa-fé, de acordo com a boa governança corporativa e de forma que as negociações não forneçam a uma das partes uma vantagem excessiva às custas do outro;
III – as condições de acesso negociado devem ser estabelecidas previamente pelo operador ou proprietário e amplamente divulgadas, nos termos da Lei e da regulação;
IV – não se deve exigir participação societária como condição para o acesso;
V – a remuneração para o acesso deve ser baseada em critérios objetivos e considerar um retorno justo e adequado do investimento, a partir de uma prestação de serviço eficiente;
VI – toda recusa ao acesso deve ser devidamente justificada; e
VII – os proprietários ou operadores devem dar transparência e disponibilizar dados e informações sobre as instalações de gás natural, contendo no mínimo:
a) as remunerações dos serviços prestados;
b) as capacidades disponíveis, contratadas e utilizadas;
c) os atuais usuários das instalações; e
d) as negociações em curso, especificando a data de início.
Art. 11. Recomendar que o Ministério de Minas e Energia e o Ministério da Economia incentivem os Estados e o Distrito Federal a adotarem as seguintes medidas:
I – reformas e medidas estruturantes na prestação de serviço de gás canalizado, incluído eventual aditivo aos contratos de concessão, de forma a refletir boas práticas regulatórias, recomendadas pela ANP, que incluem:
a) princípios regulatórios para os Consumidores Livres, Autoprodutores e Autoimportadores;
b) transparência do teor dos contratos de compra e venda de gás natural para atendimento do mercado cativo;
c) aquisição de gás natural pelas distribuidoras estaduais de forma transparente e que permita ampla participação de todos os ofertantes;
d) transparência na metodologia de cálculo tarifário e na definição dos componentes da tarifa;
e) adoção de metodologia tarifária que dẽ os corretos incentivos econômicos aos investimentos e à operação eficiente das redes;
f) efetiva separação entre as atividades de comercialização e de prestação de serviços de rede; e
g) estrutura tarifária proporcional a utilização dos serviços de distribuição, por segmento de usuários;
II – criação ou manutenção de agência reguladora autônoma, com requisitos mínimos de governança, transparência e rito decisório;
III – privatização da concessionária estadual de serviço local de gás canalizado; e
IV – adesão a ajustes tributários necessários à abertura do mercado de gás natural discutidas no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, a exemplo do Ajuste do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais – SINIEF n° 3, de 3 de abril de 2018.
§ 1° Na privatização de que trata o inciso III, incentiva-se que os Estados e Distrito Federal avaliem a oportunidade e conveniência de definição de novo contrato de concessão, que considere as diretrizes que trata o inciso I.
§ 2° Recomendar ao Ministério de Minas e Energia, ao Ministério da Economia, à ANP e à Empresa de Pesquisa Energética – EPE que se articulem para promover o apoio de treinamento e capacitação das agências reguladoras estaduais nas matérias de que tratam os incisos I e II.
Art. 12. Recomendar que a ANP, em articulação com o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Economia e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, elabore, no prazo de até cento e oitenta dias, diagnóstico acerca das condições concorrenciais do mercado de gás natural e proposta de programa de que trata o art. 5°, inciso VIII.
Art. 13. Recomendar que a ANP estabeleça as áreas de mercado de capacidade de forma a favorecer o célere processo de fusão entre elas.
Art. 14. Recomendar ao Ministério de Minas e Energia, em articulação com o Ministério da Economia, a ANP e a EPE, a criação das condições para facilitar a participação de empresas privadas na oferta de gás natural importado em condições competitivas, em especial o boliviano.
Art. 15. Recomendar que o Ministério de Minas e Energia, em articulação com o Ministério da Economia, a ANP, a EPE e o CADE, continue monitorando a implementação das ações necessárias à abertura do mercado de gás, devendo propor medidas adicionais e complementares ao CNPE, caso necessário.
Parágrafo único. Para assegurar a transparência do monitoramento, deverá ser disponibilizado relatório trimestral simplificado com o status de cada uma das medidas definidas pelo CNPE.
Art. 16. Ficam revogadas:
I – a Resolução CNPE n° 10, de 14 de dezembro de 2016;
II – a Resolução CNPE n° 4, de 9 de abril de 2019; e
III – a Resolução CNPE n° 16, de 24 de junho de 2019.
Art. 17. Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.
BENTO ALBUQUERQUE